domingo, 7 de outubro de 2007

Espírito maragato.

O futebol gaúcho, notadamente o praticado na Segunda Divisão, lembra muitíssimo a disputa inventada pelo imperador chinês Huang-ti, a uns dois mil e quinhentos anos antes de Cristo. A disputa foi inventada para que o monarca treinasse seus bravos soldados, preparando-os para as batalhas. Os precursores do futebol se distraiam chutando cabeças decepadas. Divertido, não? Por isso que muito jogador abre a “caixa de ferramentas” e põe-se a chutar a cachola dos adversários. É um salve-se quem puder. Puro atavismo. Não bastasse isso, os “bravos” guerreiros, por respirarem o ar do Rio Grande do Sul, estado de homens duros e belicosos, forjado num “continente” que já foi terra de ninguém, palco de guerras sangrentas, agregam ao seu modo de ser comportamento que, numa primeira e rápida análise, pode ser interpretado como deslealdade. Mas não é. É duro de acreditar, mas há equívoco nesta interpretação. Temos de entender que fomos uma “República” disputadíssima por Portugal e Espanha. Muito sangue e cabeça rolaram pela solidão inimaginável do Pampa. O gaúcho de antanho fez das tripas coração para se fazer respeitar, escorraçando invasores castelhanos que aqui desejavam fincar bandeira. O Tratado de Tordesilhas pôs fim às batalhas e sangrias de fronteira. Mas não capitulou a vontade do gaúcho de guerrear... Guerrear num gramado de futebol, para ser mais explicito. Portanto, a segundona gaúcha reprisa, nas quatro linhas, aguerrida tradição de vencer a qualquer preço, ainda que a custa da cabeça do próximo, de ordinário disputada em gramados duros, pipocando de “montinhos” artilheiros; campos de pastagem; campos de terra e poeira... e sangue! Campos em que a pelota sofre mais que corista de ópera. Campos, por fim, que não permite futebol “arte”, futebol “firula”, futebol “fresco”. Desconfio que a expressão “bola pro mato porque o jogo é do campeonato” foi cunhada dentro de nossas fronteiras. Desconfio, também, que zagueiro durão, a fina flor da truculência, é zagueiro gaúcho; espécie de jogador que também chuta a bola. Ah, também suspeito que o volante de contenção nasceu por aqui, no País Rio Grande do Sul de espora, de bombachas, de chiripá, de pala e lenço ao pescoço. O “sport bretão”, jogado por ingleses de carantonha vermelha e severa – que são exemplos de educação na Câmara dos Lordes – encontrou em nossos domínios terra fertilíssima. O Lobão, ano que vem, disputara outra vez esta “sangrenta” divisão, que deveria ter as regras do futebol americano, onde sujeitos de maus bofes se vestem de astronautas e saem correndo como loucos atrás de uma bola oval, distribuindo bifes a torto e a direito. Assim sendo, deve se preparar para isso, começando pela escolha de um técnico que tenha perfil belicoso, sujeito absolutamente de rinha, que seja igualmente bom estrategista. Ele saberá escolher jogadores, ou melhor, guerreiros que tenham capacidade de se doar ao time até as últimas conseqüências... Assim chegaremos à Primeira Divisão... Sem esse espírito maragato não teremos êxito, como não tivemos este ano. Façam suas apostas, senhores.
Manoel Soares Magalhães.

Chuva de mel.

Choremos, senhores, choremos. Deixemos cair nossas lágrimas... Nosso esguicho particular e intransferível... Ninguém pode chorar nosso choro, sofrer nossa dor. Talvez seja, em muitos anos, nossa mais sombria segunda-feira... É bem possível que a grande maioria chore de raiva, de ressentimento... Outros, porém, choram realmente de tristeza, ainda agarrados a resquícios de confetes e serpentinas que choveram sobre a Boca este ano, que me parecia seria de festa e não de lamentações. Sejamos realistas, embora o choro seja verdadeiro. O Lobão foi a Santa Maria para uma difícil missão. Evidentemente que em futebol tudo é possível, e ganhar do time da casa embalado, diante do maior público que a Baixada Melancólica teve em anos, não seria tarefa impossível, não. O time local, porém, não foi surpreendido. Deu à lógica – lógica, aliás, que se enfiou em nossas entranhas como uma bola de fogo. Pretendíamos um empate; o empate, entretanto, evaporou-se meio a ventania que soprava sobre Santa Maria. Perdemos... Perdemos a partida e o acesso à Primeira Divisão, sonho que alimentávamos desde Limeira, São Paulo, onde foi feita triagem de alguns jogadores que fariam parte do elenco do Lobão na temporada que se encerra de forma tão, digamos, chorosa. O acesso, é bom que se diga, não foi perdido na derradeira partida. Não; foi sendo construído ao longo do returno do octogonal. O Pelotas que se viu jogar desde a primeira fase da segundona – sobrando em campo, classificando-se antecipadamente – estava distante do time que encerrou a competição. Indícios de que os jogadores estavam deixando a peteca cair viu-se na fase classificatória para o octogonal. Ali, naquele momento, os comandados de Agnaldo Liz ensaiavam o que estava por vir, mas recuperaram-se a tempo e classificaram o time. Após a emocionante vitória sobre este mesmo Internacional de Santa Maria, numa segunda-feira, gol de Michel, todos esperavam que o time fosse deslanchar e disparar rumo à Primeira Divisão. Não foi o que aconteceu. Perdemos para o Ipiranga de Sarandi, o lanterna da competição. Daí para frente foi uma sucessão de tropeços, que resultou na desclassificação de um clube que tinha tudo para estar, hoje, entre os grandes do Rio Grande do Sul. Numa partida nervosa, diante de um público vibrante, que empurrava o time da casa, o Pelotas, com dois gols de bola parada, entregou de bandeja sua vaga – ou sua cabeça? – ao adversário... E tudo isso aconteceu diante de sua corajosa e barulhenta torcida, que gritou o tempo todo na arquibancada, no afã de empurrar seu clube do coração à vitória. Entusiasmado torcedor que apanhou como cachorro sarnoso no final do jogo. Os policiais, na ânsia de manter a ordem, deram cacetadas a torto e a direito, utilizando-se ainda de gás de pimenta, fazendo-nos chorar ainda mais. Não bastasse a frustração, arrancaram de nossa alma em ferida forçadas lágrimas. De quebra, choveu pedras sobre os bravos torcedores, acuados num canto de arquibancada. Como tênue consolo, vimos Michel, o ungido, aninhar seu gol no fundo das redes de Luciano... Gol que nos encheu de esperanças... Afinal, o empate nos lançaria do inferno às nuvens. O grito de gol, porém, não veio. Ficou trancado em nossa garganta como uma bola de concreto. Esperamos que, em 2008, com time e vontade renovados, o berro de gol que ficou cravado em nosso peito seja projetado às alturas e se transforme em chuva de mel. É o que todos nós esperamos.
Manoel Soares Magalhães.