O futebol gaúcho, notadamente o praticado na Segunda Divisão, lembra muitíssimo a disputa inventada pelo imperador chinês Huang-ti, a uns dois mil e quinhentos anos antes de Cristo. A disputa foi inventada para que o monarca treinasse seus bravos soldados, preparando-os para as batalhas. Os precursores do futebol se distraiam chutando cabeças decepadas. Divertido, não? Por isso que muito jogador abre a “caixa de ferramentas” e põe-se a chutar a cachola dos adversários. É um salve-se quem puder. Puro atavismo. Não bastasse isso, os “bravos” guerreiros, por respirarem o ar do Rio Grande do Sul, estado de homens duros e belicosos, forjado num “continente” que já foi terra de ninguém, palco de guerras sangrentas, agregam ao seu modo de ser comportamento que, numa primeira e rápida análise, pode ser interpretado como deslealdade. Mas não é. É duro de acreditar, mas há equívoco nesta interpretação. Temos de entender que fomos uma “República” disputadíssima por Portugal e Espanha. Muito sangue e cabeça rolaram pela solidão inimaginável do Pampa. O gaúcho de antanho fez das tripas coração para se fazer respeitar, escorraçando invasores castelhanos que aqui desejavam fincar bandeira. O Tratado de Tordesilhas pôs fim às batalhas e sangrias de fronteira. Mas não capitulou a vontade do gaúcho de guerrear... Guerrear num gramado de futebol, para ser mais explicito. Portanto, a segundona gaúcha reprisa, nas quatro linhas, aguerrida tradição de vencer a qualquer preço, ainda que a custa da cabeça do próximo, de ordinário disputada em gramados duros, pipocando de “montinhos” artilheiros; campos de pastagem; campos de terra e poeira... e sangue! Campos em que a pelota sofre mais que corista de ópera. Campos, por fim, que não permite futebol “arte”, futebol “firula”, futebol “fresco”. Desconfio que a expressão “bola pro mato porque o jogo é do campeonato” foi cunhada dentro de nossas fronteiras. Desconfio, também, que zagueiro durão, a fina flor da truculência, é zagueiro gaúcho; espécie de jogador que também chuta a bola. Ah, também suspeito que o volante de contenção nasceu por aqui, no País Rio Grande do Sul de espora, de bombachas, de chiripá, de pala e lenço ao pescoço. O “sport bretão”, jogado por ingleses de carantonha vermelha e severa – que são exemplos de educação na Câmara dos Lordes – encontrou em nossos domínios terra fertilíssima. O Lobão, ano que vem, disputara outra vez esta “sangrenta” divisão, que deveria ter as regras do futebol americano, onde sujeitos de maus bofes se vestem de astronautas e saem correndo como loucos atrás de uma bola oval, distribuindo bifes a torto e a direito. Assim sendo, deve se preparar para isso, começando pela escolha de um técnico que tenha perfil belicoso, sujeito absolutamente de rinha, que seja igualmente bom estrategista. Ele saberá escolher jogadores, ou melhor, guerreiros que tenham capacidade de se doar ao time até as últimas conseqüências... Assim chegaremos à Primeira Divisão... Sem esse espírito maragato não teremos êxito, como não tivemos este ano. Façam suas apostas, senhores.
Manoel Soares Magalhães.