sexta-feira, 29 de junho de 2007

Sua excelência o árbitro

Pois é, antigamente ele entrava em campo em luto fechado, aspecto soturno, como se toda família tivesse se suicidado com Ri-do-Rato. Hoje ele (e os indefectíveis bandeirinhas) tem sua “armadura” de trabalho colorida, mas o semblante continua sombrio como envelhecida escultura de praça. Em suas mãos esta o destino do jogo. É o todo poderoso juiz de futebol, espécie de Moisés detentor das Tabuas da Lei. Os jogadores, ainda que não queiram, têm de respeitar esta figura de ópera bufa, cujo prazer maior é ver os 22 jogadores babando à sua volta como uma horda de pedintes.
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A torcida, ao vê-lo assomar às quatro linhas, sente inequívoca sensação de ameaça, pois, confessando ou não, esta à mercê de seus caprichos. Um trinar de apito pode mudar a história do jogo, e conseqüentemente a ruína dos sonhos tão bem sonhados. Na Boca, este ano, somam-se os equívocos. Se pudéssemos contá-los, certamente faríamos várias voltas ao campo, estendendo um imenso e triste rosário de lamentações. Espero que domingo, contra o Aimoré, o Lobão tenha sorte de se deparar com um árbitro não bilioso, capaz de interpretar os lances do jogo com competência, sobretudo com sabedoria. Confesso que isso é bastante difícil, notadamente na Segundona. Porém, nunca é demais acreditar na possibilidade de um outro milagre de Lourdes.

Manoel Soares Magalhães.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Espírito guerreiro

Vi jogos na Boca que davam sono. Fechava os olhos e sonhava com ninfas, com encantadoras sereias. Um torcedor mais furioso me arrancava da quimera, jogando-me na fogueira da realidade como um fanático inquisidor. Jurava não aparecer no próximo jogo, pois, para morrer de tédio, morre-se em casa. Porém, como uma compulsão, eis que voltava à Boca com a esperança de que, talvez um raio fulminante arrancasse o time da mesmice, da falta de talento, sobretudo da falta de vontade de ganhar. Isso vem ocorrendo há dois anos, talvez um pouco mais. Mas, o tal raio parece ter despencado sobre a Boca, arrancando o time da preguiça.
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O ponto culminante foi o jogo contra o Porto Alegre. Deus! Tinha impressão de que os jogadores estavam possuídos por um espírito guerreiro, o mesmo espírito que incendiou os cruzados; puseram em combustão todos aqueles que lutaram e morreram na Guerra dos Cem Anos. A torcida, por sua vez, igualmente possuída, fez a arquibancada da Boca tremer como há muito tempo eu não via. O olhar fatalista deu lugar à mirada triunfante, e, certamente, seríamos capazes de derrubar a Bastilha com um simples sopro. Não tenho dúvidas de que, no domingo, contra o Aimoré, Time e torcida entrarão em campo para escrever outro capítulo desta saga sensacional que se escreve em 2007, ano em que o áureo-cerúleo finalmente retornará à Primeira Divisão do futebol gaúcho. Que assim seja!

Manoel Soares Magalhães.

À tarde dos 300

Superação! Esta é a palavra que define o time do Pelotas contra o Porto Alegre, domingo à tarde. Da arquibancada ao campo predominou o espírito espartano. O time esteve muito bem - mesmo nos momentos em que sofria sufoco. Mais uma vez a dupla de ataque - Michel e Jorge, brilhou. Uma escapada de Michel pela direita, aos 34, 35 minutos, resultou no primeiro gol do Lobão. Foi um cruzamento milimétrico, que Jorge aproveitou muito bem. O goleiro Bastos, do Porto Alegre, ficou catando moscas. A torcida - o décimo segundo torcedor, vibrou na arquibancada. Era o primeiro passo para a construção da grande vitória, que poderia ter sido mais expressiva se Jorge não tivesse desperdiçado dois gols.
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Se Jorge não converteu, Michel, aos 11 minutos do segundo tempo, não deixou por menos. Uma bomba no ângulo de Bastos acordou a dorminhoca coruja. Dois a zero no placar. Estava se desenhando um segundo tempo mais calmo, com o Pelotas administrando a vitória. Entretanto, o Porto Alegre fez seu gol aos 31 minutos, através de Bruno. A partir deste lance, o jogo incendiou-se. A Boca se transformou no palco de uma fantástica epopéia. Da arquibancada às quatro linhas os 300 decididamente se fizeram presentes, alojando na ponta das chuteiras dos jogadores os respectivos corações. Foi uma tarde para lavar a alma, sobretudo porque havia, meio aos guerreiros, uma infiltração inimiga, a charanga do Brasil, que foi murchando, murchando, até reduzir-se a uma insignificância. Parabéns aos 300 espartanos da Boca na linda tarde vestida de azul e ouro!

Manoel Soares Magalhães.

HOMENAGEM - Um fantasma na Boca.

A noite estava linda para um passeio. Quente também. Pena que não pode beber... Se pudesse tomaria uma gelada, bem gelada, vendo seu time jogar. Um time que começou discreto na competição, mas que, agora, tá demais. Ganhando todas, fora e dentro de casa.

Sentou-se ma arquibancada nova, da Dr. Amarante, alongando as pernas. O lobão estava à boca do túnel. A pequena torcida pronta para aplaudir. Por falar em torcida, onde foi parar a massa áureo-cerúlea? Seus olhos viram, através de um véu, o passado... Não muito recente, não. Viu-se entrando em campo, a torcida pulando na arquibancada, gritando o nome do time, gritando seu nome também... Instante inesquecível...

Enxugou as lágrimas vendo o lobão entrar em campo, correndo em direção à pequena torcida... Pequena,porém receptiva e paixonada torcida... Ergueu-se, aproximando-se da tela. Observou um a um os jogadores... Rapaziada humilde, batalhadora...Seu preferido, entre outros, claro, é o Robson... Rapaz! Que elegância pra jogar... Teria lugar certo em seu time... Chiquinho também... Cassel... Acho que todos... E o Giovane?! Baixinho endiabrado! Tapeou uma lágrima ardente, fixando-se nos jogadores.

Entrou no campo (podia entrar no campo!), chegando perto dos jogadores, sentindo-lhes o batimento cardíaco... É assim mesmo! No começo de qualquer partida o coração dispara, pulsa forte dentro do peito. "É isso aí, gurizada! Vamos ganhar mais uma!", ele gritou.
Virou-se na direção da torcida, erguendo os dois braços, pedindo aplauso. A torcida, como que induzida, correspondeu. Aplaudiu freneticamente. Grande torcida! E ainda dizem que a torcida do rival é maior... Duvido! Maior é a nossa?!

O jogo entre Pelotas e Cruzeiro de Porto Alegre começou... Ele resolveu ficar no dentro do campo, talvez, se as pernas ajudassem, correria um pouco também. Sim! Ele, o grande Bedeu correria um pouco. Bedeuzinho de tantas e incríveis jornadas atuando pelo Lobão, aqui neste estádio hoje tão bonito...

"Passa pra mim, Chiquinho!", gritou a pleno pulmões. Chiquinho, como que ouvindo, passou a Bola... Passou sorrindo, talvez intuindo que ele estaria ali, esperando-a... E estava! Dominou a pelota com jeito, com carinho, deixando-a quicar na grama... Suavemente...

Conduziu-a com mestria, vendo Sandro Paulista desmarcado... "É tua, Sandro", gritou. Sandro, meio apalermado, dominou a bola, sendo, porém, levado ao chão por um zagueiro durão... "Ah! No meu tempo eu enfiaria a bola por entre as pernas desse cara", Bedeu pensou, resolvendo voltar para a arquibancada. Veria o jogo, apenas. Ele e a fiel torcida do Lobão... Torcida que, tinha certeza, ainda seria muito maior... Grande! Tornando seu Pelotas um time vencedor!

Quem viver verá! Num passe de mágica, Bedeu desintegrou-se na arquibandada, prometendo que voltaria. Estaria ali mesmo, de alma presente, no primeiro mata-mata. Podem apostar nisso?!

Manoel Soares Magalhães.

HOMENAGEM - Para todos áureo-cerúleos.

Avô e Neto conversam, após uma vitória do Pelotas para a próxima fase da repescagem. O garoto de 11 anos indaga:

- Vô, vô. O Senhor ouviu o jogo?

- Ouvi até o gol do São Paulo Fábio. Depois disso desliguei. Não tenho mais idade pra isso.

- Então você não sabe como acabou o jogo?

- Não sei não. Vou deixar você me contar, pela sua empolgação deve ter sido bom...

- Depois do gol do São Paulo a torcida continuou cantando né, e o Pelotas ali, em cima. Pressionando. Ja saiu pra cima na saida de bola e quase fez. Foi pressionando e pressionando até que a bola sobrou e o Fabio de Los Santos fez o 1°...

Nisso, o velho Jorge sai do ar e ao som do neto viaja lembrando do passado. Um passado glorioso, de vitórias, grandes jogadores. Lembra do maestro Ademir Alcãntara, dos gols do Flavio Minuano, e até do velho e saudoso Bedeu. E lembra até de agora: "Tem aquele goleiro bom, e um negrinho volante que não cansa nunca." Diz o velho, depois de ver 1 das partidas na segundona de 2005, Quando foi forçado o domingo inteiro pelo neto, ele voltou à Boca do Lobo depois de longos anos.

"Não da não, não tenho mais idade. Esse time mata a gente do coração."- Vôôôô! Tu ta me ouvindo?

- ôpa, tô sim Fabinho. Fala...

- Ta, depois do segundo gol tinha até gente chorando na arquibancada vô! Um velhinho igual ao senhor chorando por causa do gol. É muito bom ir à jogo, vamo no proximo?

- Ih, não vo Fabinho. Tu sabe que não tenho mais idade pra isso. E teu pai vai contigo, qual o problema?

- Nenhum. É que gosto das histórias que o senhor me conta.

- Garoto, se você tivesse vivido naquela época ia ter muitas histórias pra contar também. Aquilo era futebol de verdade.

- Ta vô, não começa não. Até parece que o Ricardinho não joga por amor à camisa...

- Não duvido que jogue. Sempre tem uns que respeitam o que fazem, mesmo hoje em dia. Mas é que naquele tempo...

- Vô, não! Pára. Assim você faz eu não gostar mais de ir pô.

- Bobagem filho. O Pelotas ta no teu sangue, na tua alma. Ir à Boca do Lobo vai fazer parte da tua vida. Mesmo que digam o contrario.

- Como assim, no meu sangue? Na minha alma?

- Ah, um dia tu entende isso. Só o tempo te explica o que é ser Pelotas.

- Mas vô, só vou saber o que é ser Pelotas quando tiver a tua idade? Com respeito, mas é muito tempo...

- Não Fabio. A cada dia tu vai saber o que é ser Pelotas. A cada partida que tu for, a cada gol que tu presenciares, a cada vitória e principalmente a cada derrota tu vai aprender mais um pouquinho sobre o Pelotas. Ainda mais hoje em dia, que as coisas tão pra la de ruins, e a gente aprendeu a vivenciar cada jogo, cada gol. Não que a gente não queira ganhar um titulo, levantar uma taça. Mas antes de pensar nisso, a gente vai vivendo cada segundo. A torcida do Pelotas é a unica que eu ja vi que apoia mais no momento ruim do que no momento bom. Isso é que é ser fiel.

- Mas vô, Fiel não é a torcida daquele outro time?

- Olha Fabio tu ainda é muito novo, é dificil de explicar essas coisas. Mas eu entendo que seja fiel aquele cara que faz uma visita ao amigo quando ele tá doente. E não quando ele tá de aniversário e vai ter festança.

- Ahn?

- Eu disse, tu é muito novo. Um dia tu entende...

- Um dia, um dia. Tudo é um dia! Que droga ser criança!

- Calma rapaz.

- To calmo vô. Ainda mais que hoje o argentino aquele do mesmo nome que eu salvou o Pelotas! Ia até pedir um autógrafo pra ele, mas o pai quis vir embora...

- Fica triste não, outro dia tu pede.

O garoto fica pensando naquilo tudo. Nessa história de entender o que é ser Pelotas todos dias. É uma confusão. Pra ele torcer é vestir a camisa do lobão e ir pra Boca.
O velho Jorge volta a viajar no tempo. Lembra que ele percebeu que era realmente Pelotas depois de uma derrota. E percebe que o neto ta percebendo isso justamente num momento tão ruim. "Como diria meu velho irmão: "Ser Pelotas é diferente Jorginho."

Quando volta das lembranças percebe que o neto adormeceu no sofá. Fica ali, observando. Começa a pensar que, mesmo sem forçar, o garoto resolveu torcer para aquele time que "tem um lobão grande vô!" Começa a pensar que aquele Clube tem quase 100 anos de história. Que milhares de pessoas passaram por ali e deixaram seu trabalho, seu suor, seu sangue. Deixaram um tempo precioso, deixaram lagrimas de tristeza e emoção.

Aquilo tudo lhe tirou o sono. Resolve mexer em velhos jornais e revistas guardados com carinho. Ali está boa parte da história do Pelotas.

Mexendo e mexendo percebe que é curioso como a torcida do Pelotas cresce em momentos de dificuldade. Parece que a torcida do Pelotas é uma "apoiadora" do Clube. Enquanto ele está jogando a 1° o torcedor escolhe uma partida ou outra pra encaixar no orçamento, no tempo e vai prestigiar. Mas na 2°, não! Não pode! Esse Clube não é de 2°! Nunca foi e nunca vai ser. Azar do orçamento, o tempo a gente arranja e a esposa leva junto. Mas o Pelotas não pode ficar na 2°! Vou virar sócio, pagar o ingresso, qualquer coisa. Mas ai o Pelotas não fica. E la vai a massa. Milhares todo santo jogo. Milhares que no frio, no sol, na chuva vão apoiar o Pelotas numa repescagem da segunda-divisão. Fundo do Poço dizem alguns. O melhor momento pra apoiar diz a torcida do Pelotas. O velho Jorge lembra do ano passado, quando alguns diziam que "ainda bem que são só 6 meses."

Se referindo à segundona. Não façam isso, os deuses do futebol estão ouvindo, pensava ele. E eles infelizmente não perdoam. E sem perceber o velho Jorge se pergunta em voz alta: "E agora deuses, nós merecemos? Merecemos voltar pro nosso lugar? Depois de tudo que passamos em tão pouco tempo a gente ainda não merece? Vocês são justos que eu sei..."

- Vô, com quem tu ta falando?Acorda o garoto sem entender nada.

- Ninguém não, Fabinho. Tava pensando em voz alta. Desculpa.

- Vô, posso te fazer uma ultima pergunta antes de dormir?

- Vai la, faz e vai escovar os dentes.
- O Pelotas vai subir esse ano?
O Velho pensa por um segundo e diz pro neto:
- Só quem sabe isso são os deuses do futebol Fabinho. Mas tenho certeza que um amigo sai do quarto do hospital bem mais rapido quando tem milhares de amigos esperando por ele na porta do quarto, do que quando eles estão la fora e só mandam flores...

Guilherme Farias