quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A sogra outra vez.

No jogo contra o Sapucaiense, que promete jogar final de Copa do Mundo contra o Pelotas, sábado às 15h30min, não poderemos contar apenas com a ajuda da sogra do presidente do clube. Ou alguém duvida de sua presença em campo, enfiada meio aos beques, dando botinada até na imagem do Senhor Morto? Nosso atacante matador, Jorge Preá (que não contará com seu companheiro de ataque Flávio Dias, suspenso pelo terceiro cartão amarelo), que anda suspirando pelos cantos como um Romeu apaixonado, experimentando imensa e dolorida saudade de gols, deve contar, evidentemente, com a ajuda da sogra, assim como Michel, na partida contra o Internacional de Santa Maria, 1 x 0 para nós, contou, colocando o Lobão na liderança com um gol que teve a colaboração desta impoluta senhora. Mas não basta tão-só contar com a sorte. E se a sogra, assim como os beques, estiver num bom dia? Os atacantes (Preá e Michel, o Ungido - que entra no lugar de Flávio), driblam um, driblam dois, saçaricacam pra cá, saçaricam pra lá, e chutam a bola na esperança de que ela, caprichosa, conte com a ajuda de um beque distraído e com a colaboração da sogra, que, entre uma tricotada e outra, manda a bola às nuvens. Só assim não. Um time não vive só de acasos. Os atacantes, assim como os demais jogadores distribuídos em campo, têm de prescindir deste tipo de ajuda. Precisam construir jogadas dignas também de um decisivo jogo de Copa do Mundo. Elas têm de serem efetivas, bem organizadas no meio de campo, a fim de que a pelota chegue aos atacantes redondinha, macia e cheirosa, deixando os zagueiros e a sogra a ver navios.
A vitória contra o time de Sapucaia, nosso velho e difícil conhecido, tem de ser construída no detalhe. Não naquele drible a mais; naquela firula desnecessária. Não. Tem de ser estabelecida tendo como base a fria e objetiva eficiência de um verdugo, que não hesita em separar a cabeça da vítima do tronco. Jogar bonito, sim. Mas, antes, jogar eficientemente da zaga ao ataque. Pena que nosso maragato Rudi esteja fora do jogo. Ele, com seu jeito de lenhador bigodudo, dá segurança lá trás e, sobretudo, dita ritmo ao jogo. De quando em quando se atira à frente com ímpeto de espermatozóide, disposto a chegar ao óvulo e erguer a taça da fecundação. Rudi irá fazer falta, claro, mas temos peças de reposição. Marcelo Oliveira não comprometeu contra o Ipiranga de Sarandi. Certamente estará lá trás, atento, bloqueando o ataque inimigo. A questão, senhores, é só uma. Se Axel e Goiano, ambos rodados e experientes, resolverem trabalhar com a eficiência de garçons franceses, servindo os atacantes como manda o figurino, os gols serão construídos sem a ajuda do acaso, ou melhor, da sogra. Quanto ao comandante, cuja competência vem sendo demonstrada até aqui, salvo uma ou outra invenção desastrada, tem por obrigação de fazer um time ofensivo. Desfile de volantes de contenção em carro alegórico, não. Jogamos em casa e precisamos pontuar. Não tem desculpa. O Sapucaiense vem a Pelotas para ganhar. A fumaceira vai ser grande. Perfeita a decisão da diretoria em vender o ingresso mais barato até às 20h de sexta-feira, a R$ 7,00. Precisamos lotar a Boca. A torcida, por sua vez, promete fazer a sua parte como tem feito até aqui, fazendo as arquibancadas tremer como nunca até então tremeram. Ah, se necessário, com a ajuda da sogra, claro.
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Manoel Soares Magalhães.

Tiro no pé.

A inesperada vitória do Ipiranga de Sarandi, 1 x 0 sobre o Pelotas, sábado à tarde, incendiou o jogo do Lobão x Sapucaiense, sábado próximo na Boca. Penso que além do efetivo da Brigada Militar, deve se fazer presente também ao estádio o Corpo de Bombeiros, o qual, certamente, terá muito trabalho para controlar as “chamas” do duelo que promete ser dramático. Perdendo para o Sarandi, o áureo-cerúleo jogou pimenta malagueta no próprio prato, queimando-se até a alma. O tiro que tinha de ser disparado contra o adversário, foi dado no próprio pé. Uma trapalhada e tanto. Até o mais pessimista torcedor não imaginava tamanha falta de “pontaria”, provando-nos que, em termos de segundona, pouco drama é bobagem. A competição, sem dúvida, após esta rodada, ganha cores de tragédia grega. O Pelotas começou o jogo disposto a resolver as coisas rapidamente. Mas, por um desses caprichos do futebol, a primeira bola desferida contra o patrimônio de Cássio foi dormir no fundo da rede. Gol com sabor de melodrama, evadido das ondas do rádio para alojar-se no peito do torcedor áureo-cerúleo, despejando ainda mais negrume no já cinzento sábado.Começávamos a viver um pesadelo que, na última crônica, julguei possível se o Lobão não se cuidasse diante do franco-atirador de sangue doce, que, até então, nada fizera de prático para fugir da lanterna. Nossos matadores, Flávio Dias e Jorge Preá, não acharam o caminho do gol. Andaram às tontas, divorciados dos meias de ligação, Axel e Goiano, perseguidos pelos volantes adversários, que chutavam tudo, inclusive a bola.
O comandante, mexeu e remexeu no time, mas o escore não foi alterado. O destino do Lobão estava traçado: perder. É difícil perder. Mais difícil ainda é perder para o lanterna da competição, que prometeu ao longo da semana fazer o “crime” contra o Pelotas. Muitos hão de arrazoar que o time entrou em campo de salto alto, presa de euforia, fazendo pouco caso do adversário. Não acredito nisso, até por que Agnaldo Liz e a direção do Clube cobram de seus comandados humildade, tendo uma resposta positiva quanto a isso. Outros dirão que o problema foi o campo pequeno, inadequado para a bola rolar. A falta de sorte, também, será lembrada, bem como o desfile de volantes em carro alegórico, tornando o time, em vez de ofensivo, defensivo. O fato é que o Lobão foi a Sarandi e tomou um indesejável banho na “fonte”. Mas não há motivo para desespero. Ainda somos líderes. E, na pior das hipóteses, acabaremos a rodada em segundo lugar, caso o Santo Angelo ganhe do Rio Grande amanhã, segunda-feira. Portanto, nada de se escabelar como noiva abandonada no altar. É imprescindível manter o foco e a concentração, sobretudo a pegada que o time vem tendo ao longo da competição. Ganhando do Sapucaiense no sábado, jogo de seis pontos, estaremos outra vez na ponta da tabela. Partida dura, com lances shakespearianos certamente. Haja coração!
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Manoel Soares Magalhães.

Dor de cotovelo.

O grande problema do zagueiro é a dor-de-cotovelo. Não que se sinta amargurado, pensando na amada que se mandou para os braços do amante – talvez um atacante matador. O cotovelo dói porque, aliado aos pés, faz parte do seu “arsenal” de trabalho. Usa-o quando a necessidade se impõe, e não raro o faz com mestria. O adversário cai de cara no chão, atordoado, imaginando haver sido atropelado por um elefante de safári. O árbitro, considerando as circunstâncias do jogo, apita ou não a falta. Caso não apite, com a maior cara de pau considera a “marretada” coisa do jogo. O zagueiro, portanto, é soberano em seu feudo, defendendo-o a qualquer custo – ainda que o preço seja engessar sua marreta – ou melhor – seu cotovelo dolorido. No pensem os senhores que esta eficiente “arma” de ataque e contra-ataque é privilégio de zagueiros. Não. Os volantes de contensão também a usam, e não raro com competência. Não são, digamos, puristas da profissão, pois, além da dura atividade que desempenham a frente da zaga, têm lá suas veleidades de meias (os “intelectuais” do time, responsáveis pelos lançamentos, pela elegância e cadência do jogo). Graças, então, a condição de contendores, garroteiam a carantonha dos adversários. Em razão de não ocuparem o feudo dos zagueiros, a grande e a pequena área, onde a falta é punida com a penalidade máxima, os árbitros normalmente punem essas cotoveladas com mais regularidade, até porque precisam mostrar serviço. Penso que o futebol, herança bretã, jamais abrirá mão da dor-de-cotovelo.
Custo a crer que os zagueiros, os volantes de contensão, inclusive os jogadores de frente, cuja habilidade parece residir tão-só nos pés, venham um dia a deixar de lado este expediente num instante capital da partida. Quem gosta de futebol, e o praticou, sabe que o cotovelo é algo difícil de se controlar. Imagino que, na abertura do retorno do decisivo octogonal da segundona, os zagueiros e os volantes de contenção (e os homens de frente), mais que nunca estarão dispostos a exercitar seus respectivos cotovelos. Afinal. Esta em xeque o destino de seus clubes na competição. O Lobão, líder isolado, jogará sábado contra o Ipiranga de Sarandi, no estádio Fonte Sarandi, com o retorno do guerreiro Rodrigo Gasolina e Thiesen (defecção do maragato Rudi, expulso no jogo contra o Internacional de Santa Maria). O jogo parece fácil, pois seu adversário segura a lanterna da competição. Porém, quem nos assegura que seus zagueiros, seus volantes de contenção e os demais jogadores não queiram vir para cima dos “charruas” da Boca com seus cotovelos em riste, dispostos atrapalhar a vida do líder? Isso vai acontecer, sim. O Lobão que se cuide, pois o Ipiranga, de sangue doce, quer aproveitar-se da “fonte” Sarandi para dar um banho de água fria no Pelotas.
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Manoel Soares Magalhães.

Michel, o ungido.

Existem gols que se realizam inicialmente em sonho. Depois se materializam em campo e explodem na arquibancada. Aconteceu exatamente isto segunda-feira à tarde na Boca, pelos pés de Michel aos 35 minutos do segundo tempo, quando o jogo entre Pelotas e Internacional de Santa Maria estava encardido. Voltemos, entretanto, levemente no tempo, antes de entrarmos nestes detalhes. Senhores, que surpresa fantástica a presença da torcida áureo-cerúlea na fria tarde de agosto, vento sul soprando insistentemente. Se alguém ainda desconfiava de que nós torcedores não estamos unidos ao time, é de bom alvitre pensar de forma diferente. Que espetáculo a parte! Aliás, a promoção de levar um amigo ao estádio e pagar tão-só uma entrada caracterizou-se pelo acerto, contabilizando-se cerca de 4.500 torcedores em estado de graça. Havia em cada rosto, jovem ou velho, o mesmo entusiasmo e vibração. No fundo da carótida a determinação de ver o time, mais uma vez, vitorioso. Quanto ao jogo, começou pegado, com jogadas ríspidas de ambos os lados. Uma partida que se fazia no meio de campo, congestionando-o. O Lobão, consciente de que precisava ganhar, pois jogava contra um adversário direto na disputa por uma das vagas de acesso à Primeira Divisão, buscava insistentemente o gol. O time de Santa Maria, porém, bem distribuído em campo, oferecia resistência, não deixando passar nem pensamento. Se olhássemos bem, provavelmente veríamos entre os beques o presidente do Inter e sua veneranda sogra, dando chute para todos os lados. Flávio Dias e Jorge Preá, nossos “matadores profissionais”, bem marcados pela sogra, não conseguiam levar real perigo ao gol de Luciano.
De Repente, numa jogada de rara beleza plástica, Rudi, nosso comandante charrua (que seria depois expulso de campo na companhia do atacante inimigo Alê Menezes, após troca de “carícias”), partiu em direção à zaga contrária, disposto a invadir a baliza que a sua frente se descortinava. Entretanto, resolveu chutar a bola, a qual, caprichosamente, carimbou um zagueiro, frustrando seu plano de conquista, e, claro, frustrando-nos dos cabelos aos sapatos. Ai foi a vez de Axel protagonizar jogada de cinema. Aos 43 minutos, Goiano bateu escanteio pelo lado esquerdo. A bola traçou linda parábola no ar e foi de encontro a Axel que, de surpresa, cabeceou em direção ao ângulo da goleira de Luciano. Edinho Matos, entretanto (ou seria a sogra?), interceptou a trajetória da bola, evitando o que seria o primeiro gol do Pelotas. O grito de gol se alojou na nossa garganta como um abacaxi com casca. No segundo tempo, o Lobão voltou mais determinado, encurtando os espaços do time contrário. O futebol do lateral Cleiton se manifestou de forma límpida, translúcida. Em duas oportunidades deixou os homens de frente cara a cara com o goleiro. No primeiro lance Jorge teve a bola a sua feição, mas a sogra, entretanto, gritou que ele era um cabeça-de-bagre. O atacante se desconcentrou e a “mandou” por cima do travessão.
No segundo lance, fez um cruzamento, descobrindo Douglas desmarcado perto da pequena área. Desajeitado, cabeceou para fora, aumentando o tamanho do abacaxi que se alojara em nossa garganta. Aquela altura do jogo sentíamos cheiro de tragédia no ar – que se anunciara em outras ocasiões e se cumprira. O Internacional, aproveitando-se deste péssimo augúrio, jogou-se a frente com mais ímpeto, levando perigo ao arco defendido por Cássio. A arquibncada trovejou como um deus druídico pedindo Michel, pois antevia iminente apresentação de trágica opereta na Boca. Agnaldo Liz, que não é bobo nem nada, pois sabe que a voz de Deus e a voz do povo, sacou Preá do time, enviando-o mais cedo para o banho. Douglas o acompanhou, entrando em seu lugar Vicente, vindo de lesão. Michel, o Décimo Segundo Mandamento de Moisés, entrou em campo ovacionado. Pois é... Ele realizou seu gol quando o estádio inteiro se imaginava protagonista de uma grande e triste ópera. O presidente do Internacional e sua excelentíssima sogra já comemoravam o torpe empate. Eis que o ungido Michel, numa brilhante jogada, fez o que todos nós esperávamos que fizesse, isto é, que materializasse o sonho tão bem urdido no recôndito da concentração.
Livrando-se de três marcadores, chutou em direção ao gol. Para nossa felicidade, a bola desviou na sogra e entrou no cantinho da baliza de Luciano. O sonho de Michel explodiu meio a torcida como uma chuva de estrelas, levando o torcedor ao nirvana. Empoleirado na tela de proteção, ergueu o punho fechado para o céu, abrindo um dos mais luminosos sorrisos já visto na Boca do Lobo. Sentimos ímpeto de agarrá-lo e, num cortejo de exaltação, carregá-lo pelo campo. Portanto, numa atípica tarde de segunda-feira, voltamos para casa mais líder que nunca... Um pouco mais próximo do nosso objetivo. Se apurássemos bem nossos ouvidos, meio aos gritos de entusiasmo da torcida áureo-cerúlea, ouviríamos um sentido pranto... O choro da sogra do presidente do Internacional de Santa Maria, acompanhado, evidentemente, de seus profundos suspiros.
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Manoel Soares Magalhães.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Lembrando Ari Amaro, o Bedeu.

Somos seres de esquecimento. A vida flui em seu mesurado passo e, por desígnios do Criador, apagamo-nos tal qual uma tela que se vai despintando até sumir por completo. Temos, entretanto, lembranças que se afixam a tela teimosamente, num tocante ímpeto de permanência. Refiro-me as lembranças seminais, afixadas em nossa mente pelas cores da infância. Essas, creio, serão os derradeiros traços da obra que se vai aos poucos diluindo. No panteão de nossa memória, os heróis ocupam lugar de destaque. Figuras cujos feitos estabeleceram as bases de nossa personalidade, dando-nos segurança para a caminhada que se ia começar. Dentre esses heróis, claro, há nicho especial para os craques da bola. Lembro-me de um em especial. Trata-se de Ari Amaro Pires, o Bedeu. Eu tinha 6 anos quando o vi jogar pela primeira vez na Boca. Ponta direita habilidoso, dotado de força e velocidade, Bedeu deixou no gramado o registro de um futebol com acento poético. Da escola de um Garrincha, Ari Amaro não jogava, mas brincava com a bola, endereçando-lhe destinos inimagináveis, acirrando a truculência dos zagueiros que, suando pregos, tentavam caçar a “pantera negra”. Natural de Arroio Mala, Herval, começou nas divisões de base do Lobão nos anos 50, e, pasmem, como ponteiro esquerdo. Em 1953, surpreendeu jogando pela direita, reforçando a certeza de que havia nele qualidades de um jogador diferenciado, cheio de breque e malícia. Jogou como titular até final dos anos 60, indo em 61 para o Internacional de Porto Alegre. Após rápida passagem pelo Metropol, retornou a Pelotas em 1963, onde encerrou a brilhante carreira. Bedeu, penso, foi jogador de um só time, o Esporte Clube Pelotas, que o acolheu desde sempre. Quando se afastou da Boca, imagino, sentia-se deslocado, meio órfão, não conseguindo executar as “parábolas” que sua mente criativa imaginava. Por isso retornou ao “berço” e não mais o abandonou.
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Aliás, viveu até o fim no estádio, onde a direção, em retribuição ao muito que fizera pelo Clube do coração, ofereceu-lhe permanentemente morada, seu particularíssimo Olimpo. Ari Amaro, portanto, nos dias de jogos, singrava o estádio com seu passo dançarino, envergando terno e gravata. Aliás, era do tempo em que se ia à padaria de terno e gravata. No fim da vida, já doente, andava pelas ruas da cidade falando consigo mesmo, tentando convencer-se de sua grandeza, um autêntico e macilento herói chapliniano, conhecido dos botecos da cidade, principalmente o Bar Cruz de Malta, seu reduto. Sempre sorrindo, teimosamente elegante, espargia gasta e melancólica sobriedade a quem quer que fosse, conhecido ou desconhecido, falando das glórias de seu passado. Era de uma alegria infantil, ingênua. Um anjo caído, certamente, a peregrinar pela existência dura como o granito. Ah, amigo, domingo tem jogo na Boca... Pelotas x Internacional de Santa Maria. Boca que assistiu teu balé, que se contagiou com a alegria do menino interiorano. Em campo jogadores que se candidatam a permanecer na tela mental dos torcedores de hoje, que pulam e cantam na arquibancada. Imagem que o tempo, implacável, encarregar-se-á de apagar lentamente, assim como já apagou a “pintura” do grande Bedeu na memória de muita gente. Cássio, o guarda-metas, o guarda-valas, o goal-keeper do áureo-cerúleo, candidata-se a ser o “herói” do Pelotas nestes duros e sombrios anos de segundona gaúcha. Observar Cássio defendendo a baliza áureo-cerúlea, com certeza avivará em mim a lembrança de Ari Amaro, falecido a 20 de agosto de 2002, há cinco anos atrás, aos 67 anos, vítima de insuficiência cardíaca. Sobretudo sentir-me-ei menino outra vez.
Manoel Soares Magalhães.

Jonas e o goleiro.

A solidão do goleiro em seus domínios assemelha-se a solidão de Jonas enfiado no estômago da baleia. São estados de ser co-irmãos, que se compreendem, compartilhando o mesmo e comovente drama existencial. Jonas, para quem não sabe, foi um desobediente servo de Deus. O Criador pediu-lhe que fosse a Nívive, onde os homens praticavam o mal, e lhes dissesse que seriam castigados. Para escapar do assédio do Ser Supremo, Jonas embarcou num navio que ia para alto mar. Entretanto, com receio de que Deus o visse, abandonou o convés, onde estivera apreciando um belo dia, e foi deitar-se no porão da embarcação. O Criador, porém, estava de “olho” no fujão. Irado, fez desabar sobre o mar forte tempestade. Jonas, adormecido, não desconfiava do perigo que se lhe ameaçava a vida. Entretanto, um marujo foi acordá-lo, pedindo-lhe ajuda. O profeta subiu ao convés e, num súbito esclarecimento, percebeu que a tempestade fora causada por ele, por sua desobediência a Deus. Pediu, então, que fosse jogado ao mar, intuindo que, com isso, a tempestade ir-se-ia em direção ao horizonte. Assim, foi atirado meio aos sombrios vagalhões, e a tempestade amainou. Deus, para salvar seu servo, enviou-lhe grande baleia, que o engoliu. Recebeu a incumbência de ir a Nívive e cumprir a profecia de que a cidade seria destruída num prazo de quarenta dias. Durante a viagem, Jonas, aprisionado ao ventre da baleia, refletiu sobre sua inicial recusa, tendo como companhia a solidão lhe roendo por dentro. Com relação ao goleiro, a exemplo de Jonas, tem sua existência limitada à pequena e grande área, refletindo sobre a missão de salvaguardar sua baliza.
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Evidentemente que pode ir além destas fronteiras, dependendo da circunstância do jogo. Tal decisão, porém, pode custar-lhe caro em demasia, ou, em caso de sorte, aumentar-lhe a fama de ungido pelos deuses. Para este personagem – assim como para aquele outro – não existe meio termo. Será ovacionado pela arquibancada como um deus mitológico, ou, na pior das hipóteses, ver-se-á apedrejado e queimado em praça pública como um Judas de Sexta-feira Santa. A decisão, que será redentora ou sacrificadora, foi pensada na mais tensa e carnívora solidão. Imaginemos a cena. O jogo começou. Cássio, aquecido, alerta, observa seus companheiros em campo. Seus olhos não piscam, coração rufando como um surdo. Sente-se de corpo presente, mas, em verdade, sua alma ocupa outro espaço tempo, aprisionada a mais pesada e espasmódica solidão, semelhando Jonas a caminho de Nívive. De repente o lance. Urge abandonar seu minifúndio às pressas. O resultado da decisão, como já foi dito, o consagrará ainda mais, ou, no mínimo, o transformará num perdedor. Imaginem se ele tivesse pego um dos dois pênaltis convertidos contra o Pelotas no Jogo das Missões? Estou certo de que aumentaria alguns centímetros a altura da estátua de corpo inteiro que o clube, penso, deve erguer na Boca em sua homenagem. Realmente é dura a vida do goleiro. É penosa a existência dos “profetas” de Deus. Ambos, cada um em sua pecurialidade, estão à merce de intraduzível solidão.
Manoel Soares Magalhães.

O príncipe etíope.

O homem realmente é um ser de contrastes. O mesmo Alexandro Goiano que desfilou pelo campo como uma viúva chorosa no jogo contra o Grêmio Bagé, sem produzir nada de concreto – cujo escore não passou de um subnutrido 1 a 1, foi o grande nome do Pelotas contra o Santo Ângelo, no domingo à noite. Arrebentou. Tal mudança de comportamento renova minhas esperanças no gênero humano. Podemos mudar, sim. Não duvidem disso. Somos vistos às vezes como defeituosas peças de uma engrenagem. Entretanto, como num passe de mágica, seremos a solução desta mesma engrenagem. É o caso de Goiano. Contra o Bagé teria sido vítima da cusparada de um torcedor exaltado, que abandona o estádio disposto a roer um poste de concreto, tamanha é a raiva que se lhe embota o espírito. Mas, este mesmo atleta, após o jogo em Santo Ângelo, ver-se-ia carregado por ululante torcida como um príncipe etíope. O destino, caprichosamente, elegeu-o vilão, e no decorrer de uma semana transformou-o em “self-made man”. Desde os primeiros minutos de jogo vimos que ele estava cingido por uma aureola luminosa, deixando rastro por onde quer que passasse. Determinara-se a incomodar o adversário, incendiando o embate do líder com o vice-líder, “batalha” campal travada por autênticos gaúchos, cuja trilha sonora irrompia da arquibancada, misturando-se ao tinir de espadas. Não haviam transcorridos três minutos a bola já andava rondando perigosamente a área do goleiro Márcio.
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Primeiro foi um cruzamento de Jorge, visando Flávio Dias que chegou atrasado. Logo a seguir Thiesen experimentou de longe, e se não fosse o “quase” teria aberto o placar. O Santo Ângelo, entretanto, impôs-se em campo, fazendo o áureo-cerúleo ceder terreno. O Lobão, porém, através de Goiano, insinuante como uma naja, atemorizava a zaga inimiga. Aos 36 minutos, o cobrando falta, o príncipe etíope abriu o placar. A bola entrou no ângulo de Márcio, que se esticou todo mas nada pode fazer. Foi uma chuva de água fria no ímpeto do Santo Ângelo, que, atrás no placar, foi em busca do empate. Goiano, entretanto, mantinha-se dono do jogo, construindo jogadas de encher os olhos de mel. A zaga áureo-cerúlea, firmemente postada à frente de Cássio, dava conta do recado, às vezes de forma mais dura, levando o árbitro Fabrício Neves Corrêa a amarelar a vida de Rudi, Rodrigo Gasolina e Thiesen (que deixaria rubro de inveja o leão da Metro diante de sua determinação em campo). Tal ímpeto defensivo levou os defensores do Lobão a pensarem duas vezes antes de abrir a “caixa de ferramentas”.
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Alexandro Goiano, aos 44 minutos, em outro instante de inspiração, deu açucarado passe a Douglas, que fez o previsível: enfiou a bola na rede. Dois a zero no placar fora além da previsão do mais otimista torcedor. O destino, porém, destinava à “batalha” cenas de ópera. Antes de o árbitro finalizar o primeiro tempo, o zagueiro Adilson, num lance infeliz, derrubou um adversário na área, decretando penalidade máxima. Um frio glacial percorreu a espinha dos torcedores grudados ao rádio. Quando Quito correu em direção da bola, o ar ausentou-se de nossos pulmões, sufocando-nos. A bola, como “favorita” de um paxá, acomodou-se no fundo das redes de Cássio, que nada pode fazer. 2 a 1. O segundo tempo começou com o Lobão sendo atacado pela artilharia inimiga. Cássio, mais uma vez, fez seus costumeiros milagres.
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Goiano, inspiração e transpiração do Pelotas, deixou o campo de maca. Guilherme entrou com a responsabilidade de fazer a bola girar, mas, em verdade, quem girou foi ele, não encontrando o que procurava. O destino do time de Agnaldo Liz, àquela noite, seria sofrer outro gol de pênalti. Rudi, zagueiro experiente, disputou a bola dentro da área com Marcinho Galvão, o qual, como derradeiro recurso, mergulhou no chão. Eram 39 minutos. O árbitro marcou falta. Um frio siberiano nos prendeu à cadeira, à cama. O ar, que já era pouco, sumiu de vez. Era o lance que faltava para dramatizar ainda mais a ópera. Quito, o solista da noite, convidou outra “favorita” a dormir no harém do paxá. 2 a 2 era o placar da “batalha”, que se estenderia quase aos 50 minutos. Sobrevinha da arquibancada gritos de entusiasmo e cólera, empurrando os “guerreiros” do Santo para cima dos ´do Santo para cima dos a gritos de entusiasmo e de frustraç “charruas” pelotenses. Todavia, o destino da peleja seria realmente 2 a 2. Um empate histórico.
Manoel Soares Magalhães.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Com tédio ou sem tédio.

O domingo tem um sabor de preguiça. Não raro acossá-nos a vontade de permanecer com aquele pijama levemente manchado, que se afeiçoou ao nosso corpo e conhece nossas idiossincrasias. Peregrinamos pela casa, olhar lasso, fixando as coisas por fazer. Ah, aquela torneira pingando, a privada vazando água, a grama por aparar, a fechadura daquela porta que teima em não fechar... E a goteira que a patroa vem reclamando? Silêncio segregando tédio. Humor a meio pau. Este cenário desolador ocorre, com exceções, evidentemente, se tivermos passando dos cinqüenta. Acaso ainda não tenhamos atingido meia centúria de existência, as preocupações são outras, menos domésticas, talvez. Somos compelidos, então, a calçarmos um tênis, vestirmos àquele abrigo algo surrado, e, à feição dos felizes, desbravamos o bairro, a cidade com garbo de conquistador. Nosso olhar ainda é de “caçador” à procura de presa. Ainda há esperança em nosso olhar, que, em cada esquina, brilha de expectativa. Mas, independentemente da idade, todos aqueles que gostam de futebol, têm motivos de sobra para saborear o domingo como um bolo de chocolate. À frente da tevê, ou através das ondas do rádio, espantamos o tédio que se apossou de nós ao longo do domingo, que se arrastou pela casa como uma tartaruga das ilhas Galápagos. Os torcedores do Lobão têm encontro com o rádio, às 19hs. Santo Ângelo e Pelotas jogam pela sexta rodada do octogonal da segundona de profissionais. E, transbordando otimismo, estaremos atentos. Afinal, o Lobão vai a esta longínqua paragem defender a liderança e a invencibilidade extremamente suadas. Estamos convictos de que, em campo, os comandados de Agnaldo Liz venderão muito caro até mesmo o empate. Derrota, então, tem preço inimaginável. O time de Santo Ângelo terá de pagá-lo se quiser vencer o encontro de líder e vice-líder. Um domingo para defendermos nosso Eldorado. Com tédio ou sem tédio ficaremos ao pé do rádio, atentos.
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Manoel Soares Magalhães.

Exercício de transcendência.

Força e vigor na arquibancada!

O canto se destaca, no extenso repertório de expressão artistica, como um dos mais belos e emblemáticos. Por séculos vem se constituindo num poderoso meio para que povos, separados por fatores geográficos e culturais, conheçam-se mutuamente, e tenham oportunidade de admirar sons que transitam do exótico ao clássico sem muita estranheza. Nascido por uma imperiosa necessidade de comunicação, tanto de homens como de animais, o canto acabou invadindo outros terrenos. O estádio de futebol, por exemplo, transformado em poderosa arma de incentivo e beleza. Dentre inúmeras ações positivas na vida do Lobão este ano, a criação da torcida Unidos por uma Paixão é, indiscutivelmente, uma das mais felizes. Com faixa azul e ouro estendida na arquibancada, lembra os ruidosos torcedores do time argentino, Boca Junior, inclusive na forma de cantar e pular. Assisti a dramática partida entre Bagé e Pelotas ao lado desta recém inaugurada torcida, e, asseguro com convicção: não existe possibilidade de resistir ao entusiasmo que brota, vital e veementemente de suas escancaradas gargantas. Que experiência fantástica, beirando ao sublime. Vi-me soltando a voz e dando pulos como aqueles jovens, apaixonados até a medula, capazes de empurrar o time em qualquer circunstância, favorável ou desfavorável. Quando Leandro Guerreiro fulminou Cássio, eles não esmoreceram. Contra atacaram imediatamente com mais veemência, expressão bafejada pela paixão, revigorando o ânimo dos jogadores. Senhores, estes jovens, ainda que disso não se apercebam, promovem na arquibancada inequívoco exercício de transcendência. Agitando bandeiras, animados por cânticos de exaltação, transformam os jogos num raro espetáculo de fé coletiva. Há muito não me sentia tão eletrificado, absolutamente catalisado pela emoção gerada no âmago de seus apaixonados corações. Minha aposta é no sentido de vê-la crescer, impressionando velhos e impedernidos torcedores, cujo hábito é de ficar sentado na arquibancada, comendo amendoim e pipoca, às vezes bocejando de enfado. Fico imaginando o tamanho da festa que se fará ano que vem, quando o Lobo, graças a campanha que vem fazendo no octogonal, finalmente, estará no convívio dos grandes do futebol gaúcho.

Manoel Soares Magalhães.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Jogo dramático na Boca.

O lobão, contra o Grêmio Bagé, teve um primeiro tempo brechtiano. Tomou um “banho” de bola do time da fronteira, com direito a talco nas “dobrinhas”. Graças aos milagres do goleiro Cássio – que anda merecendo estátua de corpo inteiro na Boca – o time de Agnaldo Liz safou-se de retumbante “chocolatada” sob carrancudo céu de domingo. A rigor, o áureo-cerúleo chutou uma bola em direção à meta de Roger. O tiro foi desferido por Jorge Preá, que tentou de letra, mas a bola, caprichosamente, cobriu o travessão. Alexandro Goiano, transpirava em campo sem inspiração; parecia inconsolável viúva procurando desesperadamente por companhia. Acredite, ele “furou” em bola na sala de visitas do goleiro Roger, no que poderia ser o primeiro gol do Pelotas. Rodrigo Gasolina, eficiente em outras jornadas, jogando como zagueiro, frustrou e frustrou-se, acorrentado à zaga. Poderia, acaso estivesse mais adiantado, servir os atacantes com seu já conhecido talento. Douglas, substituindo Axel, que se recupera de lesão, mostrou vontade sem criatividade. O Lobão foi para o intervalo sentindo as costas o peso de um madeiro. Senhores, diante deste improdutivo primeiro tempo, verdade incontestável se revela. O atacante Michel é imprescindível ao ataque do Pelotas, devendo constar nas Tábuas da Lei de Moisés. Substituindo Preá – que não se achou em campo – Michel desarvorou a zaga do Bagé. Em menos de seis minutos o Lobão conquistara três escanteios, levando perigo ao patrimônio do Bagé. Mas, como quem não faz, leva, Leandro Guerreiro, num descuido da zaga, aos 13 minutos, fuzilou Cássio. Um a zero no placar. Fria chuvarada despencou sobre a torcida áureo-cerúlea. Céus! O inacreditável estava acontecendo. Perplexidade em cada rosto. Medo. O jogo reiniciou ainda mais nervoso e pegado, empurrado pelos gritos da arquibancada. Flavio Dias, aos 23 minutos, iluminou-se de súbito, quase marcando o gol de desempate. Gol que viria aos 26 minutos através de Michel, que, endiabrado, levou a bola quase à bandeira de escanteio, acossado por dois zagueiros, e cruzou. Douglas, que fizera um mal primeiro tempo, estava na hora certa no lugar certo. Antecipando-se na jogada, enfiou a bola na rede. O grito de gol que sufocava a torcida, explodiu. Um a um no placar. O jogo, a partir de então, adquiriu contornos ainda mais dramáticos. Insuflado pela reação, o Lobão atirou-se à frente a toque de caixa e clarins. Foi desferida contra a meta de Roger inequívoca saraivada de bolas. O chapéu que Flávio Dias deu num zagueiro, deixando-o envergonhado para o resto da existência, certamente ficará gravado na memória dos torcedores. Não bastasse a ousadia do feito, carimbou o poste esquerdo do perplexo Roger, gol não acontecido por questão de detalhe. Merecia lograr êxito, suscitando a inauguração de uma placa na Boca do Lobo. Roger, inspirado em Cássio, operou milagres por duas ou três vezes mais, passando o ferrolho na porta. A tão sonhada virada no placar não aconteceu. Poderia, claro, se o árbitro Leandro Vuaden não tivesse fechado seus olhos de mercador à penalidade que o “matador” Flávio Dias sofreu, dentro da pequena área. Preferindo não se complicar, pediu a bola e encerrou um dos mais dramáticos jogos da temporada na Boca. Entre Pelotas e Bagé a história não poderia ser outra.
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Manoel Soares Magalhães.

sábado, 4 de agosto de 2007

Com unhas e dentes.

Pra cima do Bagé, Lobo!

Há muito que joguei no fundo da gaveta meus sonhos de grandeza. Jazem como figurinhas enodoadas de tempo. De quando em quando vou lá, entreabro a gaveta e olho para dentro. Um olhar extraviado percorre as minúcias, revirando-as mentalmente. Depois, enfadado, rodopio sob os calcanhares, e me afasto. Que fiquem fechados, pegando pó. É pra isso que servem, afinal, os sonhos de grandeza.
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Entretanto, sem que planejasse, volto à gaveta. Abro-a e fico olhando, tentando entender o mistério de assim permanecer, hirto, na vã contemplação. Decididamente o nicho de velharias não é mais o mesmo. Há, meio ao bolor que se apossou dos objetos, algo estranho. Uma novidade que, pouco a pouco, veste-se de primavera. O que será? Já arrisco mexer numa coisa ou outra, buscando resposta.
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Quarta-feira passada, após o Lobão haver vencido o Vovô por um gol a zero, tive a iluminação. Era isso! Voltara a sonhar com a possibilidade de ver o áureo-cerúleo evadir-se do abismo em que mergulhara. Tornei a gaveta, às pressas. Abria-a e olhei. Derramei o mais longo e meloso olhar em seu interior, devassando-a total e inteiramente. Sim! Voltara a sonhar com ímpeto de jovem, que sonha sonhos ao som de fanfarras.
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Considerando a campanha do Pelotas até aqui, o sonho não me parece inconcebível, pois, nesse gênero de competição, muito pegada e sofrida, fazer 100 por cento em quatro jogos enche de entusiasmo qualquer renitente torcedor. Domingo, contra o Grêmio Bagé, o áureo-cerúleo põe em xeque esta invejável condição, a exemplo de um campeão de boxe que, ao desafiar alguém, coloca em disputa seu cinturão. Urge dizer que não será jogo fácil, não. O embate entre pelotenses e bageenses, em termos de futebol, é de lascar. Não raro o bola sofre como solista de ópera, deixando um rastro de lágrimas no gramado. No último encontro, na Boca, dava impressão de que, a qualquer instante, um jogador deixaria o campo de maca sob o som de uma cantada fúnebre, tamanha a violência dos lances. Imagino jogos como esses apitados não por um árbitro, via de regra amedrontado, mas pela polícia de choque. Ainda assim haveria instantes em que os policiais, diante da ferocidade dos zagueiros, desejariam abandonar os gramados às apalpadelas, absolutamente zonzos. Portanto, domingo, jogando feio ou bonito – abrindo mão da violência – o Lobão defenderá com unhas e dentes seu “cinturão”. Que assim seja.
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Manoel Soares Magalhães.

Agnaldo Liz, o disciplinador.

Quando o técnico Valmir Louruz pediu as “contas”, a 2 de maio, a notícia caiu na Boca como uma bomba. O “professor”, alegando compromissos particulares, abandonou o barco em plena e tumultuada navegação. Ainda que tivesse em mãos um excelente grupo (que se classificara com antecipação à segunda fase da segundona) Louruz, pegou seu “boné” e partiu para Caxias do Sul, alegando que, até aquele momento, não conseguira passar ao time a filosofia que desejara implantar na Avenida, o que acabou gerando insatisfação a ele, ao time e a imensa torcida áureo-cerúlea. Uma tempestade de desconfiança varreu a Boca. Seria o fim do sonho? Estaríamos fadados a passar mais um ano no limbo da segundona? Estas e outras perguntas agitaram torcida e diretoria do Lobo àqueles dias. Entretanto, com serenidade e competência, a parceria AGS e Esporte Clube Pelotas contrataram o técnico Agnaldo Liz, ex-jogador de futebol, zagueiro para ser mais exato. Evidentemente que tal contratação deixou meio mundo com a pulga atrás da orelha, pois o novo comandante desconhecia as agruras do futebol gaúcho, notadamente o abismo da segundona de profissionais. Porém, Agnaldo Liz provou que estávamos errados e César Sampaio, superintendente do Pelotas, que sugerira sua contratação, absolutamente certo. O Lobão, líder absoluto da competição, soube absorver a filosofia de trabalho do ex-zagueiro, cuja melhor qualidade foi fechar muito bem fechado o grupo em sua mão. O cara morre afogado mas não abre a mão. Luis Antonio de Mello Aleixo sorri de si para si, como a dizer: Liz foi uma aposta que deu certo... Estamos quase lá...

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Foto: Agnaldo Liz, comandante do Lobão, excelente tático e bom disciplinador. Tem o grupo fechado em sua mão!

Manoel Soares Magalhães.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Rudi, a raposa do deserto.

Rudi é o nosso zagueiro artilheiro. Não bastasse o melhor ataque da segundona, temos um jogador da linha da zaga que sai para o jogo com vigor de um Rommel, a Raposa do Deserto. No jogo contra o Rio Grande, o Vovô, quarta-feira à tarde, Rudi, mais uma vez aventurou-se em direção ao território inimigo. Numa pequena área entreverada, o zagueiro impôs-se e enfiou a bola na rede. Eram 45 minutos do primeiro tempo. Com este gol – o único da partida – o Lobão ficou mais que nunca na ponta da tabela. Todo bom time tem de ter, em seu elenco, atleta que chega detrás, a famosa “surpresa” que, entre outros fatores, desestabiliza o sistema de marcação do adversário. Rudi, com a experiência de quem conhece todos os íntimos segredos dos gramados, esta sendo o nosso “homem” surpresa. O farnel contém três gols. Pelo andar da carruagem, deduzo que virá mais. O “moço” esta com voracidade de glutão. Se Flávio Dias e Jorge Preá, os tradicionais “verdugos” do Lobão, “dormirem” de toca, o Rommel da Boca candidata-se à artilharia áureo-cerúlea. Isso talvez soe como piada, mas quem duvida? Eu não duvidaria. O homem esta jogando uma bola! Com inspiração e transpiração. Na necessidade, “manda” a bola “pro mato” porque o jogo é do campeonato. Quando não, sai para o jogo, servindo os companheiros com precisão e elegância de um garçom francês. É, por assim dizer, um xerife na zaga áureo-cerúlea, dando segurança ao goleiro Cássio, o Muralha, e, evidentemente, aos demais defensores. Cleiton, cada vez mais aplicado; Bruno Pereira, prescindindo de firulas; e Bruninho, a cada jogo mais elétrico e competente. Assim, o “encontro” de anciões na Noiva do Mar foi vencido pelo Pelotas. Um magro zero a zero que serviu para manter o 100 por cento de aproveitamento e, sobretudo, motivar ainda mais o Lobo da Bento Gonçalves, que, domingo, estará frente a frente com o Grêmio Bagé, que enfiou três gols no Ipiranga de Sarandi. Mas isso é outro assunto.
Manoel Soares Magalhães.

Choro de viúva.

De ontem para hoje tenho pensado muito em Nelson Rodrigues e em suas sublimes crônicas, consciente de que posso chegar, tão-só, a altura de seus tornozelos, tamanha era a inspiração e a genialidade coroando-lhe a fronte. Recorro a seu estro de além-túmulo para que me responda a seguinte indagação. O que impulsionou Sapucaiense, Ipiranga de Sarandi e Ypiranga-Ere a entrarem contra o Lobão no Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) da FGF? Alegam que o time pelotense teria escalado quatro jogadores de série A, quando, na verdade, apenas três poderiam jogar, de acordo com o regulamento da segundona gaúcha. Na verdade foram escalados, realmente, três jogadores, já que Axel, a razão da pantomima, é egresso de um time paulista da série A2, portanto, reconhecidamente divisão não especial. O cronista, em vida, sorriria tragicamente e, quase num sussurro, diria: coisa de viúvas desesperadas. É isso ai. Os dirigentes dos respectivos (e perdedores) times choram o marido perdido, ou melhor, os pontos perdidos em campo, e bem perdidos, aliás. Derramam ignóbeis lágrimas, filhas do oportunismo mais abjeto. Jogam-se, presa do desespero, sobre a urna funerária, aos coleios, rasgando roupas, arrancando cabelos, protagonizando fantástica apresentação de ópera bufa. Que patético. Têm pessoas cuja vocação para a comédia é inerente à pele. Fazem de tudo para se fazer notar, ainda que o palco seja o chiqueiro de suínos. Os dirigentes dessas equipes, unidos pela desesperada viuvez, deveriam dedicar-se, respeitosamente, a um exercício de contrição, reconhecendo a pequeneza da iniciativa, e, sobretudo, dar valor ao time que, em campo, soube impor-se, ganhando legitimamente os pontos disputados. Mas não. Em vez do cavalheirismo, optaram pelo choro, pela lamentação de opereta. Ah, pobres viúvas e suas lágrimas de crocodilo!
Manoel Soares Magalhães.

Em traje de Gala.

A verdade é a seguinte. Sempre que Pelotas e Rio Grande se enfrentam é um acontecimento. Afinal, juntando os dois times, são praticamente 206 anos de vida. Mais de dois séculos de existência. Um marco no futebol gaúcho. Quarta-feira, às 15h, no Arthur Lawson, na vizinha cidade – a simpática Noiva do Mar, os vovôs estarão outra vez frente a frente em mais uma rodada do octogonal decisivo da segundona de 2007. O torcedor que entrar no estádio, seja do Pelotas ou do Rio Grande, tem de estar ciente de que deve fazê-lo com respeito e reverência, pois a história de ambos os times assim o exige. Independentemente da posição da tabela – o Lobão em primeiro e o time riograndino em último, deve haver por parte das torcidas a consciência da posição que ambos ostentam na história do futebol gaúcho. Acho mais. Os jogadores, por força desta tradição, deveriam entrar em campo em trajes de gala, sob o som do hino das respectivas equipes. Um ato solene, amigos. Um enfático e caloroso instante na vida destes dois anciões que brilham intensamente como estrelas no firmamento. Já vai longe a época em que Johannes Christian Moritz Minnemann, fundador do Rio Grande a 19 de julho de 1900, e, respectivamente, Joaquim Luiz Osório, Leopoldo de Souza Soares, Francisco Rheingasntz e João Frederico Nebel, fundaram o Esporte Clube Pelotas a 11 de outubro de 1908. Entretanto, ao longo desta fantástica trajetória de sucesso, ambos os times sofreram reveses, cuja conseqüência foi à queda para a Segunda Divisão do futebol Gaúcho. Entretanto, com muita força, sobretudo com espírito esportivo, os clubes lutam para voltar à elite do futebol no Rio Grande do Sul. Seria fantástico se tanto um quanto o outro pudesse chegar a tão almejado objetivo. A sorte, porém, esta sendo madrasta para com a equipe riograndina. O mesmo destino, entretanto, parece não estar reservado ao áureo-cerúleo da Boca do Lobo. O jogo de amanhã, portanto, será, como sempre, uma grande e histórica partida. Outra página a somar-se a cintilante trajetória de Pelotas e Rio Grande.
Manoel Soares Magalhães.

The Flash.

Aconteceu domingo, na Boca, o gol mais rápido da carreira do “matador” Flávio Dias. Imaginem o lance. O árbitro trina o apito. A bola é esticada para o atacante, o qual, como um súbito pé de vento, atira-se em direção à área inimiga, domínio dos aturdidos zagueiros do Ypiranga de Erechim, e, sem titubear, fuzila o goleiro Alexandre Marasca, que num piscar de olhos vê sua “Bastilha” desabar aos seis segundos do primeiro tempo. Foi, sem dúvida, a materialização do sonho do mais fanático e fundamentalista torcedor áureo-cerúleo. A torcida, em êxtase, pulou e cantou na arquibancada, presa também de estupefação. Os jogadores do Lobão ainda estavam comemorando quando, aos 53 segundos, Rafael Betini escorou a bola cruzada na pequena área, enfiando-a no ângulo da meta de Cássio, decretando o inusitado empate. Jogadores, torcedores, diretoria e gandulas do Pelotas foram arrancados do céu e enfiados no inferno em menos de um minuto. Desabara sobre a Boca segundos de comoção. Quem ainda não entrara no estádio – ou se distrairá por qualquer outra razão, perdeu de assistir ao vivo dois sobrenaturais gols. Os jogadores, receosos de que pudesse acontecer outra vez o imponderável, reiniciaram a partida aos titubeios. Mas, aos poucos o jogo voltou à normalidade, com o Pelotas pressionando o time de Erechim, que marcava com competência, saindo para o jogo sem medo, levando perigo à meta defendida por Cássio. O segundo gol do Lobão foi de bela feitura, tecido na roca de Cleiton, que chega à linha de fundo, cruzando a bola em direção à área, encontrando Flávio Dias livre, que bateu sem hesitação no ângulo esquerdo do goleiro, deixando-o a nocaute. Eram 24 minutos do segundo tempo. O Lobo ficou na frente do placar outra vez. No segundo tempo, logo aos 3 minutos, o zagueiro Rudi, visitando o minifúndio inimigo, enfiou a bola na rede, deixando o placar em 3 a 1. Esta, porém, ainda não é toda a história do jogo. Há que se registrar os desempenhos do volante Thiesen, soberbo; das estocadas fulminantes do ala Bruninho, que jogo a jogo vem mostrando por que foi contratado; do vigor e competência de Goiano na articulação das jogadas. E, claro, da postura da zaga áureo-cerúlea, que, tirante o descuido do primeiro gol do time de Erechim, andou muito bem. Aliás, o time inteiro foi combativo, vibrante, intimidando o Ypiranga, que, lance a lance, foi vendo seu objetivo cada vez mais distante. Só não levou mais gol porque Alexandre Marasca andou fazendo milagre debaixo da goleira. O pelotas, enfim, num luminoso domingo de sol, andou fazendo e levando gols metafísicos, deixando sua fiel torcida mais que nunca animada. As expectativas foram confirmadas. Ouviu-se, e muito, cânticos de louvor na Boca. Tudo esta bem encaminhado, sim!
Manoel Soares Magalhães.

O quintal de nossa infância.

Pena que a gente não possa murar o quintal de nossa infância. Sim, murar. Deixá-lo isolado, distante do olhar corrupto. Certamente seríamos mais felizes, pois, na medida da necessidade, a ele recorreríamos para restabelecer as energias e, sobretudo, recobrar o encanto pela vida. Lembro-me bem do quintal de minha infância... Pátio relativamente pequeno, porém recheado de mistérios. Tinha até índio! De quando em quando piratas... Índios e piratas... E o pé de cinamomo?! Grande, galhos nodosos. Eu os percorria como um macaco, ágil e brincalhão. Sobre sua amigável sombra construí um campo de futebol... Ah! Que estádio! Imensas as arquibancadas... A torcida se agitava esperando os times entrarem em campo... O domingo era dia imensamente esperado. Dia de clássico. Aliás, Qualquer domingo, na imaginação de um garoto, é dia de clássico. Eu entrava no gramado compenetrado, imaginando os gols que faria... Artilheiro não pensa diferente. Aposto que todos são assim, sonhadores, arquitetos de seus caprichosos e admiráveis gols. O campo, na verdade, era de chão batido. As goleiras constituídas de tijolos... Os jogadores adversários também lascas de tijolos, por entre as quais eu conduzia a pelota em direção ao gol. Entre um e outro drible em autênticos pernas- de-pau, narrava o jogo, dando ênfase ao talento e genialidade do artilheiro. Havia em minha imaginária chuteira cicatrizes feitas à gilete, marcando os gols feitos... Ao fuzilar o goleiro, corria para a torcida... Correr não; voava como uma águia em pleno céu azul. Após a partida, suado, deitava-me de costas no chão, observando imensos elefantes brancos se dirigirem ao horizonte. A meu lado as chuteiras... Mais duas cicatrizes brilhavam ao sol, somando-se as já existentes... Pois é, aquele menino descerrou as janelas de sua casa na manhã de domingo. Olhou a rua. Malgrado inexistisse o quintal de sua infância, estava feliz. Feliz porque haveria jogo na Boca... Pelotas e Ypiranga de Erechim... Não exatamente um clássico, mas reeditaria a mesma emoção de tantos jogos, clássicos ou não, disputados na realidade ou tão-só em sua imaginação.
Manoel Soares Magalhães.

Arrancando a toca.

Aprendi a gostar de cinema nos "poeiras" de bairro. Não perdia uma matiné do Cine Esmeralda, no Areal, fizesse sol ou chuva. O filme que me prendia na cadeira era o de bang-bang. A gurizada, de olhos vidrados, vertia saliva na iminência de um duelo entre bandido e mocinho. Durante as perseguições a cavalo, batíamos os pés no chão, levantando poeira até o teto, gritando ao mesmo tempo. O barulho era ensurdecedor. O jogo entre Sapucaiense e Pelotas, quinta-feira à tarde, com vitória do Lobão por 1 a 0, em Sapucaia do Sul, me arremessou a esse tempo fantástico. Que jogo. De bota e espora, tipicamente gaúcho. Desde os primeiros minutos da partida, o Sapucaiense pressionou o Lobão em seu campo, numa verdadeira blitz, deixando a torcida áureo-cerúlea de cabelo em pé. Agnaldo Liz, vendo muito bem o jogo, adiantou o time, equilibrando o “duelo”. O Santo Cássio, quando foi exigido, brilhou duas ou três vezes, realizando mágicas defesas. O jogo foi para o intervalo zero a zero. Em recente crônica, me referi à possibilidade de um gol metafísico, que deixasse o Lobão na frente do placar. O gol aconteceu, feito por Michel, aos três minutos do segundo tempo. Ele estufou a rede do goleiro Eliandro, decretando a abertura do placar. O feio pistoleiro de Sapucaia do Sul desabou de cara na areia, enquanto nós, torcedores, ouvindo rádio, batíamos os pés no chão, gritando gol. O Sapucaiense ensaiou uma reação, mas não logrou êxito porque o áureo-cerúleo esteve determinado no aspecto defensivo, obliterando qualquer tentativa do inimigo ficar vivo no jogo. Assim, a já inconveniente "toca" foi arrancada da cabeça do Lobo, o qual não conseguia vencer o Grêmio Sapucaiense em seus domínios. Portanto, esta vitória de ouro deixa o Lobão na ponta da tabela. Domingo, na Boca, é a vez do Ypiranga de Erechim dançar em nosso salão de honra. É hora de lotarmos a Boca, fazendo o maior “barulho”. Que de nossas gargantas escancaradas mane o maior, o mais fabuloso canto de sagração possível. A hora é agora!
Manoel Soares Magalhães.